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Guerra da Guiné (pequenas memórias)

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Bigene

Bigene, no norte da Guiné, perto da fronteira do Senegal, foi a minha segunda e definitiva estadia. Como disse em artigo anterior, uma Dornier fora buscar-me a Canquelifá, trazendo-me para Bigene, onde a última companhia de farda branca aguardava a rendição.

 A despeito das más recordações que esta companhia deixou, em termos de crimes sobre a população nativa, consegui fazer alguns bons amigos. E foram esses amigos que me contaram as atrocidades cometidas, especialmente por um capitão cujo nome não vejo necessidade de revelar, sobretudo a tantos anos de distância. Apenas refiro que era denominado “o assassino” de Bigene, e era, infelizmente, acolitado pelo médico.

 Residia na povoação um comerciante de Braga, o Sr. Hilário, e um senhor já de alguma idade, Sr. Reis Pires, pai de dois rapazes atletas do Benfica. Ambos estes homens me contaram coisas de bradar aos céus que eu evito relatar. Apenas dois pequenos pormenores, que darão ideia da dimensão dos restantes crimes. Pouco depois de chegar, abeirou-se de mim um furriel com um colar de orelhas ao pescoço. O outro pormenor decorreu do facto de resolvermos cavar algumas trincheiras, após a saída da companhia, a fim de ligarmos os abrigos às casernas, aos quartos e à enfermaria, e encontrarmos restos humanos nas escavações, alguns deles só parcialmente decompostos.

Quando chegou a 1547, a minha companhia de origem, comandada pelo capitão Vasconcelos, um homem culto e bem formado, com o curso de Germânicas, de quem me tornei grande amigo, outra vida nasceu naquela gente e naquela povoação. Irei contando algumas coisas desta nossa vivência em Bigene, sector de Farim, coisas que me pareçam com algum interesse, mas sem preocupações cronológicas.

Bigene vista de avioneta. Em cima à direita as casernas dos soldados. Do lado esquerdo as nossas casas, e logo acima a pista de aterragem. A cerca de quatro quilómetros a norte, o Senegal. Mais ou menos à mesma distância, para a direita, Talicó, um dos grandes acampamentos dos guerrilheiros, e o corredor de Sambuiá por onde se faziam os seus abastecimentos.

A principal rua de Bigene. Antes da guerra tinha catorze casas comerciais que, segundo me contaram, exploravam os nativos até ao tutano. (tudo o que sei e me foi contado, mesmo pelos poucos comerciantes que ainda restavam, dava um livro). A principal fonte de rendimento era a cultura do arroz, do coconote e do amendoim (mancarra), que os navios Manuel Alfredo e Alfredo da Silva vinham carregar no rio Cacheu que ficava a três quilómetros. Do lado direito a secretaria e a messe. Do lado esquerdo os nossos quartos. Esta parede do lado esquerdo estava cheia de buracos de balas.

 O “corpo clínico”. De barbas, o meu furriel enfermeiro “Pimentinha”, electricista de profissão, e que se transformou num belíssimo parteiro e não menos belíssimo puericultor. Atrás os maqueiros. O do lado direito, o Matos, era da Amadora.

De cócoras, o primeiro da esquerda, o Sr. Reis Pires, meu confidente de todas as desgraças que ali se passaram. Esta foto já é posterior à saída da minha companhia. Apenas eu fiquei (uma história interessante mas lixada, que eu contarei se tiver pachorra).


Filed under: memória descritiva Tagged: Bigene, coconote, farim, guerra, guiné, mancarra, memórias

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